segunda-feira, 11 de junho de 2012

Cría Cuervos


    Ao som de Jeanette, Porque Te Vas.

   Cría Cuervos é um filme de fantasmas. Fantasmas da infância e da ditadura. Na sua obra-maior, Carlos Saura não mostra a infância como o período feliz da vida, ao qual todo o ser gostaria de regressar. Pelo contrário, apresenta a tristeza, a desilusão, o medo, os traumas. Ana Torrent, a pequena de El Espiritu de la Colmena, é a criança que sofre ás mãos dos problemas passados do cineasta espanhol.

   Saura é mais conhecido por filmar a dança, nomeadamente o flamengo, mas nos anos 70 criou dois trabalhos irrepreensíveis do cinema de Espanha, que ficaram a dever muito a Luis Buñuel (desafiantes) e a um primeiro trabalho de Victor Erice (contemplativos, contestatários). Elisa, Vida Mía é o outro filme falado. Trata também dos traumas infantis. Ao vê-lo, foi inevitável conduzir o pensamento a António Reis e a Margarida Cordeiro. Surpreendente será se a dupla portuguesa não tiver assistido ao filme antes do final da rodagem de Ana, nos anos 80. Nele estão também as paisagens, as pessoas, as histórias, mais ou menos místicas. A oposição entre projectos está no casting. Fernando Rey e Geraldine Chaplin brilham com Saura; Reis e Cordeiro mostravam simples habitantes das aldeias transmontanas que corriam.

   Algumas vezes, há fragilidade em Cría Cuervos. Saura adapta o argumento da melhor forma, não deixando cair nenhuma carta, não deixando o castelo desabar. O filme acaba por resultar plenamente como um todo. Crítico em relação ao regime político atravessado pela sua nação, não sofreu a repressão de Espiritu de la Colmena; o ditador Francisco Franco havia morrido, um ano antes do lançamento.

   A última sequência da obra transcende a forma como a ingenuidade havia sido representada no cinema desde os seus primórdios. Fecha-se um ciclo. Ana Torrent nunca voltou a aparecer assim, pura, verdadeira, uma das maiores crianças da sétima arte.

Miguel Ferreira

1 comentário:

  1. Grande elenco, num filme de uma beleza imensa. Para mim, um dos melhores filmes europeus de todos os tempos, o que é dizer muito.

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